sexta-feira, 24 de abril de 2009

Perseguição religiosa

ACHA que pessoas deviam ser perseguidas por causa da sua religião? Provavelmente não — desde que elas não interfiram nos direitos de outros. Todavia, a perseguição religiosa tem uma longa história e ainda acontece. Por exemplo, muitas Testemunhas de Jeová na Europa e em outras partes do mundo foram freqüentemente privadas dos seus direitos e cruelmente maltratadas ao longo do século 20.
Durante esse tempo, as Testemunhas de Jeová sofreram perseguição brutal, sistemática e prolongada sob os dois grandes regimes totalitários da Europa. O que aprendemos da experiência das Testemunhas de Jeová sobre a perseguição religiosa? E o que podemos aprender do modo como reagiram ao sofrimento?



“Não fazem parte do mundo”
As Testemunhas de Jeová se esforçam para cumprir a lei, ser pacíficas e moralmente corretas. Não se opõem a governos, nem procuram entrar em conflito com eles. Não provocam perseguição, como se quisessem ser mártires. São cristãos politicamente neutros. Isto está em harmonia com as palavras de Jesus: “[Meus seguidores] não fazem parte do mundo, assim como eu não faço parte do mundo.” (João 17:16) A maioria dos governos reconhece a posição neutra das Testemunhas. Mas os governantes totalitários têm pouco respeito pelo requisito bíblico de que os cristãos não devem fazer parte do mundo.


Os da família Kusserow foram privados da liberdade por não transigirem na sua fé


“Os regimes totalitários não limitam suas atividades à política. Exigem a pessoa inteira.” Dr. Clemens Vollnhals



O motivo disso foi explicado numa conferência realizada na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em novembro de 2000. O tema da conferência foi: “Repressão e defesa dos próprios direitos: as Testemunhas de Jeová sob as ditaduras nacional-socialista e comunista”. O Dr. Clemens Vollnhals, do Instituto Hannah-Arendt de Pesquisa do Totalitarismo, observou: “Os regimes totalitários não limitam suas atividades à política. Exigem a pessoa inteira.”
Os verdadeiros cristãos não podem ceder sua “pessoa inteira” a um governo humano, uma vez que votaram lealdade absoluta e exclusiva a Jeová Deus. As Testemunhas que vivem sob ditaduras totalitárias verificam que as exigências do Estado e os requisitos da fé que elas têm às vezes se conflitam. O que elas têm feito quando enfrentam tais conflitos? Historicamente, as Testemunhas de Jeová têm praticado na sua vida o princípio expresso pelos discípulos de Jesus Cristo: “Temos de obedecer a Deus como governante antes que aos homens.” — Atos 5:29.


Johannes Harms foi executado numa prisão nazista por causa das suas crenças


As Testemunhas de Jeová na Alemanha sofreram perseguição brutal e prolongada sob ambos os regimes totalitários do século 20



Milhares de Testemunhas de Jeová mantiveram lealmente a sua fé e permaneceram neutras nos assuntos políticos, mesmo apesar da mais cruel perseguição. Como conseguiram perseverar? De onde obtiveram a força para isso? Que elas mesmas dêem a resposta. E vejamos o que todos nós, Testemunhas de Jeová ou não, podemos aprender da experiência delas.



Eles superarama perseguição
FRIEDA JESS nasceu em 1911, na Dinamarca, de onde se mudou com os pais para Husum, no norte da Alemanha. Anos mais tarde, arranjou um emprego em Magdeburgo, e em 1930 foi batizada como Estudante da Bíblia, como se chamavam então as Testemunhas de Jeová. Hitler assumiu o poder em 1933, e para Frieda isso deu início a 23 anos de maus-tratos às mãos, não de um, mas de dois governos totalitários.
Em março de 1933, o governo alemão realizou uma eleição geral. O Dr. Detlef Garbe, diretor do Memorial do Campo de Concentração Neuengamme, perto de Hamburgo, explica: “Os nacional-socialistas queriam forçar a grande maioria a votar no seu chanceler e Führer [líder], Adolf Hitler.” As Testemunhas de Jeová seguiram a admoestação de Jesus, de continuarem politicamente neutras e de ‘não fazerem parte do mundo’, de modo que não votaram. Com que resultado? As Testemunhas de Jeová foram proscritas. — João 17:16.



Frieda prosseguiu clandestinamente nas suas atividades cristãs, até mesmo ajudando a imprimir a revista A Sentinela. “Algumas das revistas foram levadas secretamente para campos de concentração, aos nossos irmãos”, diz ela. Em 1940, ela foi presa e interrogada pela Gestapo, passando depois meses na solitária. Como suportou isso? Ela diz: “A oração era o meu refúgio. Começava a orar de manhã cedo e recorria à oração várias vezes por dia. A oração me dava força e me ajudava a não ficar ansiosa demais.” — Filipenses 4:6, 7.


Frieda Jess (agora Thiele) na época em que foi detida e hoje





Frieda foi libertada, mas em 1944 a Gestapo a prendeu novamente. Desta vez foi sentenciada a sete anos na prisão de Waldheim. Frieda conta: “Os guardas me mandaram trabalhar nos banheiros com outras mulheres. Várias vezes eu trabalhei com uma presa procedente da Tchecoslováquia, de modo que lhe falei muito sobre Jeová e a minha crença. Essas conversas me mantiveram forte.”
Libertada, mas não por muito tempo
A prisão de Waldheim foi liberada pelas tropas soviéticas em maio de 1945, e Frieda estava livre para voltar a Magdeburgo e ao seu ministério público, mas não por muito tempo. As Testemunhas de Jeová tornaram-se de novo alvo de discriminação, desta vez pelas autoridades na Zona de Ocupação Soviética. Gerald Hacke, do Instituto Hannah-Arendt de Pesquisa do Totalitarismo, escreve: “As Testemunhas de Jeová foram um dos poucos grupos sociais perseguidos quase que continuamente por ambas as ditaduras em solo alemão.”
Por que esta nova discriminação? De novo o motivo básico era a neutralidade cristã. Em 1948, a Alemanha Oriental realizou um plebiscito, o voto direto do povo, e como Hacke explica, “o motivo fundamental [da perseguição contra as Testemunhas de Jeová] foi que não participaram do plebiscito”. Em agosto de 1950, as Testemunhas de Jeová foram proscritas na Alemanha Oriental. Centenas delas foram presas, inclusive Frieda.
Frieda se viu de novo no tribunal e foi sentenciada a seis anos de prisão. “Desta vez eu estava com meus irmãos na fé, e o companheirismo deles foi de muita ajuda.” Em 1956, quando foi libertada, ela se mudou para a Alemanha Ocidental. Aos 90 anos de idade, ela vive agora em Husum, ainda servindo o verdadeiro Deus, Jeová.
Frieda sofreu 23 anos de perseguição sob duas ditaduras. “Os nazistas procuravam destruir-me fisicamente; os comunistas procuravam quebrantar meu espírito. Onde obtive a força para manter-me firme? Bons hábitos de estudo bíblico enquanto estava em liberdade, a oração constante quando em isolamento, a associação com outros irmãos sempre que possível e transmitir minhas crenças a outros em toda oportunidade.”
Fascismo na Hungria
Outro país em que as Testemunhas de Jeová sofreram décadas de discriminação foi a Hungria. Algumas sofreram perseguição não de dois regimes totalitários, mas de três. Um exemplo é Ádám Szinger. Ádám nasceu em 1922 em Paks, na Hungria, e foi criado como protestante. Em 1937, alguns Estudantes da Bíblia visitaram o lar de Ádám, e logo ele mostrou interesse na mensagem deles. O que aprendeu da Bíblia o convenceu de que os ensinos da sua igreja não eram baseados na Bíblia. De modo que deixou a igreja protestante e se juntou aos Estudantes da Bíblia no seu ministério público.
O fascismo aumentava sua influência na Hungria. Várias vezes gendarmes, ou policiais, observaram Ádám pregando de casa em casa e o levaram para ser interrogado. A pressão sobre as Testemunhas se intensificou, e em 1939 suas atividades foram proscritas. Em 1942, Ádám foi detido, levado à prisão e espancado severamente. O que o ajudou, com apenas 19 anos de idade, a suportar o sofrimento e os meses na prisão? “Enquanto eu ainda estava em casa, estudei cuidadosamente a Bíblia e obtive um bom entendimento dos propósitos de Jeová.” Só depois de ter sido libertado da prisão é que Ádám, por fim, foi batizado como Testemunha de Jeová, em agosto de 1942, num rio perto da sua casa, sob o manto da noite.
Prisão na Hungria, campo de trabalhos forçados na Sérvia
No ínterim, durante a Segunda Guerra Mundial, a Hungria juntou-se à Alemanha contra a União Soviética e, no outono de 1942, Ádám foi convocado para o serviço militar. Ele conta: “Declarei que não serviria como militar por causa do que havia aprendido da Bíblia. Expliquei a minha posição neutra.” Ele foi sentenciado a 11 anos de prisão. Mas Ádám não ficou muito tempo na Hungria.


Ádám Szinger na época do seu encarceramento e hoje





Em 1943, cerca de 160 Testemunhas de Jeová foram ajuntadas, colocadas em embarcações e transportadas pelo rio Danúbio até a Sérvia. Ádám estava entre elas. Na Sérvia, esses presos estavam sob o controle do Terceiro Reich alemão. Foram confinados no campo de trabalhos forçados em Bor e obrigados a trabalhar numa mina de cobre. Cerca de um ano depois, foram levados de volta à Hungria, onde Ádám foi libertado pelas tropas soviéticas na primavera de 1945.
A Hungria sob o domínio comunista
Mas a liberdade não durou muito tempo. Em fins da década de 40, as autoridades comunistas na Hungria restringiram as atividades das Testemunhas de Jeová, assim como os fascistas haviam feito antes da guerra. Em 1952, Ádám, que então tinha 29 anos, estava casado e tinha dois filhos, foi preso e condenado quando de novo se recusou a prestar serviço militar. Ádám explicou ao tribunal: “Esta não é a primeira vez que me recuso a prestar serviço militar. Durante a guerra, fui preso e deportado para a Sérvia pelo mesmo motivo. Nego-me a ser militar por causa da minha consciência. Sou Testemunha de Jeová e sou politicamente neutro.” A sentença de Ádám foi oito anos de prisão, mais tarde reduzida a quatro anos.
Ádám continuou a sofrer discriminação até meados da década de 70, mais de 35 anos depois de os Estudantes da Bíblia terem visitado pela primeira vez a casa de seus pais. No decorrer desse tempo, foi sentenciado por seis tribunais a 23 anos de detenção, ficando detido em pelo menos dez prisões e campos de concentração. Ele sofreu perseguição em série sob três regimes — dos fascistas na Hungria antes da guerra, dos nacional-socialistas alemães na Sérvia e dos comunistas na Hungria durante a guerra fria.
Ádám ainda mora na sua cidade natal de Paks, servindo lealmente a Deus. Será que ele tem habilidades extraordinárias que lhe possibilitaram suportar as dificuldades de modo tão triunfante? Não. Ele explica:
“O estudo da Bíblia, a oração e a associação com os irmãos eram muito importantes. Mas eu gostaria de destacar mais duas coisas. Primeiro, Jeová é a Fonte de força. O relacionamento achegado com ele foi o meu salva-vidas. E segundo, eu sempre me lembrava do capítulo 12 de Romanos, que diz: ‘Não vos vingueis.’ De modo que nunca guardei ressentimento. Tive várias vezes a oportunidade de me vingar dos que me perseguiam, mas nunca o fiz. Não devemos usar a força que Jeová nos dá para retribuir o mal com o mal.”
O fim de toda a perseguição
Frieda e Ádám podem agora adorar a Jeová sem impedimento. No entanto, o que revelam experiências, tais como as deles, a respeito da perseguição religiosa? Que tal perseguição não é bem-sucedida — pelo menos quando infligida a cristãos genuínos. Embora a perseguição movida contra as Testemunhas de Jeová consumisse muitos recursos e causasse cruel sofrimento, não conseguiu alcançar seu objetivo. Atualmente, as Testemunhas de Jeová estão prosperando na Europa, onde antes duas grandes ditaduras dominavam.
Como as Testemunhas de Jeová reagiram à perseguição? Como mostram os relatos de Frieda e de Ádám, eles aplicaram o conselho bíblico: “Não te deixes vencer pelo mal, porém, persiste em vencer o mal com o bem.” (Romanos 12:21) Pode o bem realmente vencer o mal? Sim, quando se origina duma forte fé em Deus. O triunfo das Testemunhas de Jeová sobre a perseguição na Europa foi o triunfo do espírito de Deus, a demonstração do poder para o bem que resulta da fé produzida pelo espírito santo em cristãos humildes. (Gálatas 5:22, 23) No atual mundo violento, esta é uma lição que todos devem tomar a peito.

Nenhum comentário: